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Diversidade de Crenças e Intolerância Religiosa

Artigo escrito pela Dra. Samantha Khoury Crepaldi Dufner.

Nosso Estado é Deísta, como indica o preâmbulo constitucional, ao fazer alusão à palavra DEUS. Isso não significa que o Estado é religioso, mas que acredita na existência de um Ser superior.

Desde 1891, o Brasil optou pela laicidade, isto é, não adotar religião oficial, não interferir nas religiões das pessoas que são livres para realizar cultos, liturgias e processar dogmas, para tanto, assumiu papel de imparcialidade, tolerância, respeito e igualdade.

Tal assertiva é confirmada no art. 5o., VI e VIII, CF, ao assegurar com primazia, o direito fundamental de liberdade de consciência e crença religiosa. Esta liberdade compreende o direito de descrença, como no caso do ateu e do agnóstico, bem como, o direito de adotar qualquer religião ou seita, mudar de convicção várias vezes e processar a fé. Qual o limite deste direito fundamental de liberdade? A lei, especialmente a penal, e a dignidade humana como princípio fundamental do Estado Democrático.

Da liberdade decorre outro direito fundamental, o de igualdade perante a lei (isonomia), inclusive, de tratamento pelo Estado via poderes e serviços públicos, bem como, pela sociedade que implica na forma de convívio social.

A isto denominamos dever de respeito e aceitação ou tolerância. Muitos religiosos dizem que não querem ser tolerados, mas na acepção da palavra, tolerar é aceitar, que não deve ser empregada em sentido pejorativo de suportabilidade porque aceitar a crença ou descrença alheia é dever de
todos!

Por isso, a Lei 11.635/07 instituiu o dia 21 de janeiro para Combate Nacional à Intolerância Religiosa, sendo tal dia, ainda, o Dia Internacional das Religiões. A intolerância religiosa pode ser compreendida como fenômeno do racismo que engloba também a intolerância à diversidade sexual.

Em todos estes casos, existe um julgamento pré formulado e desarrazoado de não aceitação de condições e comportamentos alheios em razão de etnia, cor, raça, cultura,
orientação sexual e religiosas que muitas vezes aparecem combinados entre si.

É o caso do preconceito com os ciganos, que por ocasião da II Guerra foram perseguidos e exterminados ao lado de judeus e homossexuais. A cultura cigana se mistura à etnia e religiosidade próprias e, ainda hoje, os ciganos encontram obstáculos à aceitação, no mundo inteiro. Os muçulmanos, desde alguns graves e excepcionais episódios internacionais, são estereotipados negativamente, mas tais comportamentos não exteriorizam a religiosidade de paz da comunidade árabe, a qual, igualmente, encontra dificuldades em vários ambientes, inclusive para transitar entre estados internacionais.

Contudo, as maiores vítimas de preconceito no Brasil – segundo relatórios oficiais – são as religiões de matrizes africanas, como candomblé e umbanda, onde claramente a questão racial negra é mesclada à religiosidade. Na África, os rituais e oferendas aos orixás são realizados nas ruas. A lei
10.639/2003 traz a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura afrobrasileira no ensino público e privado, por reconhecer a importância de conhecimento, difusão e preservação das raízes e da cultura afro-brasileira, afinal, somos descendentes de negros e índios. A Lei 12.288/2010 criou o
Estatuto da Igualdade Racial e, por considerar que as religiões de matrizes africanas são expressões culturais deste povo, cuja crença se mistura aos rituais e orixás, regulou capítulo para preservação de Direito à Liberdade de Consciência e Crença e ao livre exercício dos cultos religiosos em terreiros e afins. Todavia, o preconceito é racial, religioso, ou ambos?

Como decorrência da proteção da liberdade religiosa, ninguém pode ser vítima de preconceito e discriminação, sendo proibidos atos fundados neste, quando: a) negar emprego; b) impedir acesso a cargo público; c) obstar serviços hospitalares, de saúde, sociais e educação; d) impedir acesso aos locais sociais, clubes; dentre outros.

As Leis 7.716/89 e 9.459/97 criminalizam estas e outras condutas motivadas por preconceito religioso e é importante destacar a natureza de crimes de ódio e de afronta à dignidade
humana, toda vez que a conduta dirigir-se contra grupo ou religião, sendo inafiançáveis e imprescritíveis. O art. 140 do Código Penal trouxe, também, o tipo de injúria racial que compreende a ofensa dirigida à pessoa determinada em razão de sua cor, raça, etnia, religião, divergindo dos crimes de ódio e do racismo. Num recente entendimento do STJ, a injúria racial também seria
inafiançável por integrar o rol das referidas leis.

Afinal, como é praticada a intolerância? A conduta é livre, por palavras ou ofensas morais, ofensas físicas (lesões corporais e homicídio), escritos, por danos ao patrimônio material ou imaterial, etc. Pode ser praticada em redes sociais, internet, e-mail, material publicitário, televisão, rádio, e outros.

Recentemente, redes de televisão aberta foram condenadas pela prática destes crimes contra as religiões afro e deverão desenvolver programas de promoção e defesa dessas culturas. A conscientização de todos é necessária no sentido de que a resposta ao ódio é a responsabilização civil e criminal para quebra do ciclo de intolerância e violência.

Portanto, denuncie, registrando boletim de ocorrência em qualquer delegacia (ou na especializada, Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância/SP) e movendo ações judiciais compatíveis. Posto que em verdade, tudo é respeito e aceitação à diversidade como riquezas da sociedade. E todos falamos o mesmo idioma nos dizeres: Amém, Assim seja, Axé, Paz de Cristo, Shalom,
Namasté, Motumbá, Salaam Aleikum, pois tudo significa ser Deísta e pregador da PAZ MUNDIAL!

*Artigo escrito e publicado em 2016

 

SAMANTHA KHOURY CREPALDI DUFNER
Mestre em Direitos Humanos Fundamentais pela UNIFIEO; Especialista em Direito Notarial e Registral Imobiliário pela EPD; Advogada; Coordenadora e Professora da Pós- Graduação em Direito das Famílias e Sucessões do Proordem Goiânia. Professora de Direito Civil em cursos preparatórios para OAB e em pós-graduação. Pesquisadora do Grupo Biòs da PUC-SP. Autora de obras e artigos.

Escrito por Redação

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