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OS Contratos de Distribuição na Pandemia do Novo Coronavirus

Em março de 2020 o Brasil, infelizmente, foi envolvido no cenário mundial da maior pandemia viral das últimas décadas, a COVID 19.

Em março de 2020 o Brasil, infelizmente, foi envolvido no cenário mundial da maior pandemia viral das últimas décadas, a COVID 19.

Este vírus que, em alguns casos, se manifesta de forma mortal, provocou o Estado a restringir as atividades e a circulação da população, determinando medidas de distanciamento com protocolos de proteção e segurança com a  finalidade  de  proteger à vida, baseando-se nas orientações sanitárias da OMS,[i] determinando a quarentena com distanciamento e o isolamento social.[ii].

Não obstante, o afetamento a saúde humana, a propagação do vírus causou impactos econômicos-sociais, prejudicando às relações de emprego e as relações contratuais do Estado e do Setor Privado, causando incertezas econômicas e profissionais à sociedade.

O estudo apresenta o impacto causado pela pandemia aos contratos de distribuição do Setor Privado, os quais, a depender do objeto abastecem a rede de consumo, Silvio de Salvo Venosa define este modelo contratual:

 “[…] o contrato pelo qual uma das partes, denominada distribuidor, se obriga a adquirir da outra parte, denominada distribuído, mercadorias geralmente de consumo, para sua posterior colocação no mercado […].[iii]

Os contratos de distribuição, na verdade, são bem variados por conta dos tipos de mercadorias ou produtos distribuídos, também, são amplos os interesses das partes contratantes, por exemplo: a busca pelo fortalecimento das marcas em determinada área de distribuição ou entrada em um novo mercado ainda não explorado; o incremento das vendas; o aprimoramento das relações junto aos consumidores, geralmente, visando a boa imagem dos produtos no mercado.

Esta relação comercial de fato ocasiona uma série de obrigações específicas, entre as partes, e na maioria das vezes, de longa duração, a fim de permitir que os investimentos a serem realizados pelos contratantes possam ser amortizados ao longo de sua vigência, concedendo certa segurança a eles no cumprimento de suas obrigações.

Com o surto da pandemia do novo corona vírus as relações comerciais destes contratos foram bruscamente afetadas, foi constatado no Brasil queda de: 18,8% da produção industrial,[iv] 31,8% no varejo[v] e  26,14% na logística dos transporte de cargas,[vi] ou seja, a quarentena determinada pelo Poder Público com o intuito de conter a propagação do vírus teve diversas medidas para manter o distanciamento social, entre elas: a proibição da circulação de pessoas no comércio, restrições e bloqueios na entrada e saída nos Estados.[vii]

Com isto, as relações comerciais foram totalmente abaladas e o  mercado de distribuição enfraquecido, os distribuidores não puderam adquirir suas mercadorias para revenda, assim como tiveram dificuldades em vender o que já possuíam,  se tornou impossível  a circulação  dos produtos, a logística da cadeia de distribuição foi totalmente prejudicada, gerando prejuízos e queda nos lucros,  um exemplo: a AMBEV uma das maiores distribuidoras de bebidas do país teve queda de 56% na lucratividade[viii] no primeiros trimestre comparada ao ano passado.

As medidas emergenciais de proteção à saúde pública trouxeram impactos, ainda difíceis de serem medidas nas relações contratuais, pois os contratantes ficaram impedidos de cumprir totalmente ou parcialmente com suas obrigações, este cenário inesperado acarretou aos contratantes grande preocupação de como resolver ou minimizar os prejuízos com ruptura do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos.

Em que pese a pandemia[ix] alastrada no Brasil e no mundo, ser de fato, um fenômeno vivido que, até pouco tempo, se quer podíamos imaginar, busca-se no ordenamento jurídico, teorias, princípios, artigos de leis, ou seja, mecanismos norteadores para a tratativa deste inusitado acontecimento.

Diante deste contexto, cabe analisar o Código Civil que apresenta dispositivos, que podem ajudar a conduzir os desarranjos contratuais. O art. 393, CC,[x] trata do inadimplemento das obrigações, onde o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior.

 

Interessante, nesse aspecto o ensinamento de Silvio Rodrigues:  

 […] o art.393, parágrafo único, do CC, define o caso fortuito ou força maior como o que se verifica no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir. É, em rigor, o ato alheio à vontade das partes contratantes ou do agente causador do dano e que tampouco derivou da negligência, imprudência ou imperícia daquelas ou deste. É o act of Gold, como classificam os ingleses […][xi]

Nessa esteira, visualizando o vírus como “ato de Deus” que se estabeleceu alheio à vontade, o devedor, de qualquer forma,  deverá comprovar que por causa da “pandemia” houve de fato  circunstâncias que causaram o descumprimento das obrigações, ou seja, que a pandemia gerou o nexo de causalidade do inadimplemento, para que, com isto, não seja responsabilizado pelos prejuízos causados ao credor em consequência da inadimplência total ou parcial do contrato.

Entretanto, o artigo 399[xii], do CC., observa o status do devedor como bom pagador antes da ocorrência do evento, assim, o devedor em mora não pode se socorrer da exceção legal nem se aproveitar de fato superveniente para se eximir de descumprimentos anteriores.

Ocorre que, a paralização das atividades decretada pelo Estado, impossibilitou, também, o credor a cumprir com suas obrigações.

De fato, as restrições impediram além da circulação da população, a logística das cadeias distributivas, as normas emergenciais foram impostas a todos os serviços e comércios não essenciais.  Diante disto, embora as partes devam obediência ao cumprimento do que foi acordado, princípio do pacta sund servanda, o fenômeno pandêmico tornou impossível a execução de alguns acordos.

Cabe, então, analisar a possibilidade de mitigar os prejuízos, e assim rever as condições, anteriormente definidas, para que haja adequação diante da realidade atual, visualiza-se, neste sentido, o princípio rebus sic stantibus, artigo 317, CC.[xiii] 

Por conseguinte, a pandemia é identificada como um fato imprevisível, BITAR conceitua a imprevisão:  

“[…] Quando se fala em fato imprevisível, temos a ideia de algo fora da normalidade, de um fato extraordinário, porque estava longe do alcance de qualquer previsão. Porém, para conceituar a imprevisão no âmbito jurídico, há a necessidade de fundamentação técnica, ou seja, um princípio que só atua no espaço aberto pela excepcionalidade. […]”[xiv] 

Em vista disso, a superveniência da circunstância imprevisível não está atrelada ao resultado do negócio, ou seja, se foi positivo ou negativo, porque qualquer das partes ao contratar assume riscos e possível existência de prejuízos, mas, sim, está atrelada a existência de algo imprevisível pelas partes. Silvio de Salvo Venosa, assim esclarece:

 “[…] tais acontecimentos não podem ser exclusivamente subjetivos. Devem atingir uma camada mais ou menos ampla da sociedade. Caso contrário, qualquer vicissitude na vida particular do obrigado serviria de respaldo ao não cumprimento da avença. Um fato será extraordinário e anormal para o contrato quando se afastar do curso ordinário das coisas. Será imprevisível quando as partes não possuírem condições de prever, por maior diligência que tiverem. Não podemos atribuir a qualidade de extraordinário ao risco assumido no contrato em que estavam cientes as partes da possibilidade de sua ocorrência […]”[xv]

De  todo modo, deve ser analisado, também, o cenário da desproporção que a pandemia pode causar entre as partes, quer dizer, de um lado, o excesso da carga onerosa prevista na prestação do devedor e, de outro, a extrema vantagem que seria auferida pelo credor, caso a obrigação fosse adimplida na forma como inicialmente proposta, conforme dispositivos: 478, 479 e 480 todos do código civil.

Caio Mario, assim define a onerosidade:

“A onerosidade excessiva é um estado contratual que ocorre quando acontecimentos supervenientes, extraordinários e imprevisíveis, provoquem mudanças na situação fática, refletindo diretamente sobre a prestação devida, tornando-a excessivamente onerosa para o devedor, enquanto a outra parte obtém benefício exagerado”[xvi].

Entretanto, os mecanismos Jurídicos, por ora estudados, conduzem as tratativas do impacto ao Poder Judiciário, melhor dizendo, os desacordos contratuais causados “pela pandemia” e seus consequentes conflitos poderão ensejar demandas judiciais.

Destarte, observar a posição do presidente do STJ, ministro João Otávio de Noronha que participou no 29 de maio de 2020 do 1º Congresso Virtual do Forúm Nacional de Juízes de Competência Empresarial (Fonajem),[xvii]   Noronha disse:

“os desdobramentos econômicos da Covid-19 passarão necessariamente pelo Judiciário e que o ordenamento jurídico brasileiro tem instrumentos para lidar com isso.”

Neste sentido, o ministro falou sobre a teoria da imprevisão que permite a correção de prestações contratuais em casos imprevistos que causem onerosidade excessiva e esclareceu que  não se pode extrair disso uma tendência ao perdão de dívidas,  destacou que os conflitos econômicos decorrentes da crise sanitária podem ser resolvidos com repactuação de acordos, porém os juízes não devem atender automaticamente aos pedidos de empresas sem demonstração real de desequilíbrio financeiro.

O professor da USP Dr. José Fernando Simão, em seu artigo o Contrato em tempos de Covid-19, apontou:

“A tendência de resolução do contrato, bem como de suspensão total de seus efeitos é nefasta ao equilíbrio contratual e ao sistema jurídico como um todo, com gravíssimos reflexos econômicos. A pandemia é passageira. As decisões judiciais devem ser temporárias e com revisão constante de acordo com as rápidas mudanças fáticas que o quadro traz. É preciso releitura da ideia de imutabilidade das decisões.” [xviii]

De toda sorte, podemos concluir que os tempos pós pandemia serão enfrentados com dificuldade por todos, independente da forma e dos meios utilizados para solução dos conflitos e superação dos prejuízos, de fato não há como medir o tamanho do problema, trata-se de crise mundial nunca enfrentada, e seus efeitos atingiram todas as nações.

O desequilíbrio da relação contratual reflete direto na econômica, desta forma, o reequilíbrio contratual pode ser um dos fatores essenciais para auxiliar a recomposição do sistema financeiro do País tão fragilizada neste período.

As teorias e os dispositivos estudados permitem ao Poder Judiciário reestabelecer o equilíbrio entre prestações e contraprestações, quando comprovado que as circunstâncias vividas durante a pandemia tornaram de fato as obrigações, entre as partes, impossíveis de serem cumpridos, dentro deste contexto extraordinário, ou seja, este fato gerador do  desequilíbrio contratual, que tornou impossível a obrigação, deve ser comprovado em cada caso concreto.

Por outro lado, sem pensar nas alegações e provas que apontem  soluções nas decisões Judiciais, cabe, também, um olhar prático, voltado a base subjetiva do contrato, ou seja, as razões pessoais, motivadas em suas vontades íntimas, pelas quais os contraentes firmaram o negócio jurídico, que no mundo empresarial, presume ser o interesse em alavancar cada qual o seu negócio no mercado de atuação.

A vista disso, para manter o negócio, podem ser usadas alternativas mais simples, estratégicas comerciais e financeiras em torno do cenário pandêmico, com   retorno das partes à mesa de negociação para reestruturação dos instrumentos, objetivando a preservação e continuidade dos contratos, através da proporcionalidade e da razoabilidade, estabelecendo, desta forma, novas condições aos contratantes, voltadas, principalmente, a revisão dos valores, prazos de pagamento e de execução desses acordos, até então, prejudicados.

 Fernanda de Souza LimaAdvogada Contratualista – Pós-graduanda na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – Especialização em Direito Contratual.   

 


[i] OMS diz que só isolamento controlará covid-19. Disponível em : https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/03/16/oms-coronavirus.htm

[ii] Quais são as medidas adotadas por cada estado brasileiro contra o corona vírus. Disponível em:  https://www.brasildefato.com.br/2020/04/01/quais-sao-as-medidas-adotadas-por-cada-estado-brasileiro-contra-o-coronavirus

[iii] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil – contratos em espécie. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003

[iv]Produção industrial cai 18,8% em abril. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/27853-producao-industrial-cai-18-8-em-abril.

[v]Vendas no varejo têm queda de 31,8% em abril. Disponível em:

https://economia.ig.com.br/2020-06-03/vendas-no-varejo-tem-queda-de-318-em-abril-com-impactos-da-pandemia.html

[vi]Covid-19 já impacta 26% no transporte de cargas. Disponível em:  https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/especiais/coronavirus/2020/03/731676-covid-19-ja-impacta-26-no-transporte-de-cargas.html.

[vii]Governadores fecham estradas e vetam ônibus de outros estados. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/03/governadores-fecham-estradas-e-vetam-onibus-de-outros-estados.shtml.

[viii]Lucro da Ambev desaba 56% no 1º tri com impacto de Covid-19. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/reuters/2020/05/07/lucro-da-ambev-desaba-56-no-1-tri-com-impacto-de-covid-19-despesas-financeiras.htm

[ix] Quarentena global é evento inédito na história das pandemias. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-04/quarentena-global-e-evento-inedito-na-historia-das-pandemias

[x] Art. 393, CC, “o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”. Lei 10.406/02. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm.

[xi] RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Responsabilidade Civil. V4. 20. Ed ver. E atual. São Paulo: Saraiva, 2003.

[xii] Art. 399, CC, “o devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada.” Lei 10.406/02. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm.

[xiii] Art. 317, CC, “quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação”. Lei 10.406/02. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm.

[xiv] BITTAR, Carlos Alberto (Coordenador). Contornos atuais da teoria dos contratos. Revista dos Tribunais: São Paulo, 1993.

[xv] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 15. ed. Atlas: São Paulo, 2015.

[xvi] PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de Direito Civil, Vol 3 – Contratos: Declaração Unilateral de vontade; Responsabilidade civil, 12ª edição, Rio de Janeiro, Editora Forense, 2006

[xvii] Para o presidente do STJ, “princípio da Covid-19” não pode levar à interferência excessiva nos contratos. Disponível em: http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/Para-o-presidente-do-STJ–%E2%80%9Cprincipio-da-Covid-19%E2%80%9D-nao-pode-levar-a-interferencia-excessiva-nos-contratos.aspx.

[xviii] O contrato nos tempos da COVID-19, Artigo de José Fernando Simão. Disponível em: https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/828283451/o-contrato-nos-tempos-da-covid-19

Escrito por Redação

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