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Análise do PL 1397/2020 e períodos de suspensão dos direitos dos credores durante a pandemia da COVID

Muitas notícias têm sido publicadas na mídia especializada em relação ao Projeto de Lei nº 1.397/20, que diz respeito ao conteúdo emergencial dos efeitos da pandemia gerada pela Covid-19, inclusive que envolvem alterações à Lei nº 11.101/05 (Lei de Falências e de Recuperação de Empresas – LFR).

O referido Projeto de Lei prevê períodos de suspensão do exercício de direitos de credores que estão previstos em lei e determinada em contrato pelas partes. Apesar da grande necessidade de medidas para remediar ou prevenir a crise, as previsões em questão merecem ponderação, em função de uma possível insegurança jurídica que abusos em medidas como essa podem gerar.

A primeira medida visa criar um stay period geral e legal de 60 dias, a contar da vigência da lei. Nesse lapso temporal, os credores não poderão cobrar judicialmente as obrigações perante o devedor inadimplente após 20 de março de 2020, nem executar eventuais garantias que lhe tenham sido dadas ou rescindir unilateralmente contratos, mesmo que tenha base legal ou contratual para tanto.

Tal medida pode num primeiro momento parecer positiva para a economia, mas não analisa o lado da parte contrária (o credor) que injustificadamente terá a sua parcela sem pagamento. Isso porque não são todos os devedores que estão com dificuldades financeiras. É certo que alguns casos os devedores merecem esse adiamento, mas em outros não.

Caso a lei seja promulgada todos estarão imunes às medidas judiciais dispostas no ordenamento jurídico e em contratos. Isso significa que a medida do não pagamento injustificado pode estimular que, ao invés de todas as partes tentarem realizar acordos com a cooperação e a boa-fé esperadas, os contratantes passem a adotar medidas egoísticas e oportunistas, transitoriamente respaldadas em lei, gerando um efeito dominó de inadimplência. Além disso, esse efeito cascata poderá privilegiar aqueles que já deveriam estar fora do mercado, dada a situação de insolvência prévia antes da pandemia, ou empresas e despreocupados com a contraparte e que fizeram negócios de forma irresponsável.

Nos termos do PL 1.397/20, após o período de suspensão, os mesmos agentes econômicos oportunistas e/ou insolventes poderão requerer no Judiciário a instauração do procedimento de jurisdição voluntária denominado negociação preventiva, sob o argumento de atravessarem crise econômico-financeira, bastando evidenciar uma redução de faturamento igual ou superior a 30% da média do último trimestre.

Esse procedimento será dotado de novo stay period de 60 dias, improrrogáveis (nos termos do projeto), durante o qual os credores também não poderão exercer seus direitos contratuais e legais, nem poderão apresentar considerações sobre o cabimento e o mérito do pleito de negociação coletiva em si.

Essa segunda medida, tal como a primeira, além de visar combater a crise econômico-financeira sentida no país, pretende contornar o possível gargalo no Judiciário causado pelo aumento exponencial do número de demandas. Embora tais preocupações sejam louváveis, é certo que o PL 1.397/20 contraria sobremaneira a lógica de atribuir poder aos credores, prevista no sistema brasileiro de insolvência, sem atribuir também as devidas e proporcionais contraprestações aos devedores.

Com isso, pode-se afirmar que o PL 1.397/20 não aborda corretamente a proibição com o abuso do direito na adoção do procedimento voluntário, nem abre aos credores a oportunidade de exercer seu contraditório de maneira ampla. Portanto, concede-se mais uma vez palco para o uso de medidas potencialmente protelatórias e abusivas por parte daqueles que já atravessavam uma situação de insolvência antes da pandemia, postergando a fadada quebra e trazendo, mais uma vez, insegurança jurídica, o que sempre deve ser evitado.

Ainda que seja uma mera faculdade dos credores submeterem seus créditos à negociação coletiva, deve-se levar em conta que tal procedimento acarreta a impossibilidade de resolução contratual de maneira unilateral em qualquer situação – o que esvazia o poder da facultatividade e até retira vantagem negocial.

Além disso, na prática, os agentes econômicos de pequeno porte (mais de 90% do mercado) dificilmente teriam condições financeiras de contratar assessorias especializadas ou mediador profissional para travar uma interlocução apropriada e profissional com os credores. Os agentes de maior porte, por outro lado, já são os que mais se socorrem dos mecanismos existentes, principalmente na LRF. Em outras palavras, é válido questionar a verdadeira eficácia das medidas previstas pelo PL 1.397/20 e a quem elas realmente se destinam.

Seja como for, caso o resultado da negociação coletiva não tenha o resultado buscado pelo devedor, a empresa (e não qualquer agente econômico) poderá se socorrer dos processos de insolvência previstos na LFR, cujos requisitos serão abrandados durante a pandemia nos termos do PL 1.397/2020, com objetivo de facilitar seu uso.

Para fazer justiça, a contrapartida para o devedor, nos termos do projeto, é que, no caso dos processos de recuperação judicial, seja concedido stay period de 180 dias, dos quais, se for o caso, deverá ser abatido o prazo de 60 dias da negociação coletiva. Contudo, o período de suspensão de 180 dias previsto na LFR, embora seja improrrogável por disposição legal, tem sido estendido pelas cortes nacionais sempre que a recuperanda consegue provar que, por motivos alheios à sua vontade, não conseguiu realizar assembleia geral de credores para deliberação do plano de recuperação judicial por ela ofertado. Espera-se que esse entendimento jurisprudencial não prevaleça na hipótese ora tratada.

Ainda em relação aos processos de recuperação judicial e extrajudicial em curso, foi criada outra modalidade de stay period, em que as obrigações assumidas nos planos homologados não serão exigíveis por 120 dias.

Durante esse período, fica suspensa a possibilidade de convolação da recuperação em falência em razão do descumprimento de obrigação prevista no plano. Além disso, os devedores poderão apresentar novo plano incluindo créditos que sejam posteriores à distribuição do pedido de recuperação (normalmente excluídos desses processos). O projeto também estipula que os devedores terão direito a novo stay period, nos termos da LFR, a fim de permitir a discussão com credores e, eventualmente, votar o plano em Assembleia Geral de Credores.

Esse ponto do PL 1.397/20 talvez seja o que mereça mais críticas, já que podem ser dados outros 300 dias de suspensão, sem qualquer preocupação com o efetivo cumprimento do plano e sem dar aos credores o direito imediato de decidir se devem revê-lo ou ter a tempestiva falência.

Pior ainda é constatar que, do texto do projeto, depreende-se que credores que tenham realizado negócios com a empresa em recuperação judicial e que teriam tratamento prioritário, previsto no art. 67 da LFR, poderão ter seus créditos submetidos a um novo plano de recuperação em um processo, que, em princípio, não lhes era aplicável.

Trata-se, definitivamente, de mais um risco à segurança jurídica, o que geralmente afugenta novos investimentos e, nesse sentido, pode comprometer a efetividade dos instrumentos legais capazes de prevenir e remediar a insolvência.

Enfim, e longe de este artigo ter a pretensão de exaurir o tema, a realidade é uma só: os negócios serão profundamente impactados pela pandemia do coronavírus e, bem ou mal, o mercado deve absorver tal baque de alguma forma.

O projeto de lei parece ter optado por colocar grande parte dessa responsabilidade sobre os ombros dos credores. Com base nos pontos levantados neste texto, no entanto, os credores podem se preparar para tomar as decisões comerciais mais adequadas à realidade atual em suas negociações, recorrendo a soluções jurídicas criativas, a partir de ampla informação sobre o assunto e extensão das medidas propostas.

Sheila Shimada, Advogada, professora de Direito Empresarial na ESE Sebrae, sócia no escritório Shimada Advocacia e Consultoria e atua com especialidade em direito societário especialmente em operações e negociações entre sócios e/ou acionistas a nível nacional e internacional (M&A ou F&A).

Escrito por Redação

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